Casa Mundo News #25
Brasil em Cannes, Casa Mundo no Rio2C, Bobbie Goods, Boneco Labubu e o Incômodo com a feminilidade que não performa
O que o desejo, a ausência e o estranhamento dizem sobre nosso tempo?
Nesta edição, partimos de fenômenos aparentemente desconectados — um boneco bugado que virou hype, um livro de colorir para adultos, a atriz que incomoda por não parecer “protagonista” e o Brasil ovacionado em Cannes. Em comum, todos eles apontam para os códigos que organizam nossa ideia de valor, pertencimento e presença cultural.
Entre o fake que performa melhor que o original e o sucesso cultural que ainda não encontra público no território local, o que está em jogo não é só estética ou engajamento — é a forma como lidamos com a autenticidade, o tempo e os corpos em cena.
Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho fizeram história em Cannes. Com Agente Secreto, o Brasil conquistou o prêmio de Melhor Diretor e, pela primeira vez, o de Melhor Ator no festival. A consagração simbólica marca um novo patamar para a produção brasileira no cenário internacional — e acontece justamente quando o país vive uma crise silenciosa de ocupação cultural.
Segundo levantamento do Observatório Itaú Cultural em parceria com o Datafolha, 97% dos brasileiros consomem cultura online, mas apenas 61% frequentam espaços culturais presencialmente ao menos uma vez por mês (Folha de Londrina, 2024). A cultura se tornou um hábito digital, com forte adesão a streamings e redes sociais — mas ainda enfrenta dificuldade em reconectar o público à experiência ao vivo.
“Queremos que esse filme esteja nas salas de cinema, porque as salas de cinema formam o caráter de um filme”, afirmou Kleber Mendonça Filho ao receber o prêmio (Agência Gov, 2025). A fala ressoa como chamada à presença física — não apenas como consumo, mas como construção simbólica da cultura em comum.
O sucesso em Cannes é motivo de celebração, mas também um convite à reflexão sobre os caminhos para consolidar e expandir o alcance da cultura brasileira dentro do próprio país. É necessário repensar estratégias para atrair o público brasileiro de volta aos cinemas e espaços culturais, promovendo uma reconexão com a produção nacional.
> Casa Mundo no Rio2C
Nesta sexta-feira, nossa CEO Adriana Hack se junta a Antenor Oliveira, Joana Siqueira e Luisa Clasen na mesa O futuro da cultura e da indústria audiovisual na era digital.
🗓 30/05 | 11:30 | Screening Room
Uma conversa sobre atenção, presença e o desafio de fazer da cultura um encontro, mesmo na era do streaming.
Livros de colorir com ilustrações fofas e nonsense, como os da Bobbie Goods, viralizaram entre adultos. Mais que passatempo, tornaram-se um ritual de pausa na hiperconexão. Só no TikTok, os vídeos com os livros da marca acumulam milhões de visualizações. E no Google Trends, as buscas cresceram mais de 300% no último ano (Google, 2024).
Colorir virou microprática de autocuidado: uma forma de se desligar sem culpa, de descansar os olhos e o cérebro. A tendência acompanha a volta das atividades manuais como resposta à exaustão digital — com crescimento de hobbies como tricô, scrapbooking e cerâmica.
O efeito da desconexão vai além do simbólico. O sucesso da Bobbie Goods é um sintoma. Em tempos de timelines infinitas, o analógico reaparece como espaço de respiro. Colorir, tricotar ou cuidar de um bebê reborn deixa de ser coisa de criança: é estratégia adulta de sobrevivência emocional.
A segunda temporada de The Last of Us foi um sucesso. Só na estreia, bateu 5,3 milhões de espectadores — número superior à primeira temporada — e cada episódio já acumula em média 37 milhões de visualizações globais (HBO/Warner, 2025). Mas apesar da aclamação crítica e da performance sólida de Bella Ramsey, a discussão online foi outra.
Jovem, não binária e fora dos padrões tradicionais de feminilidade, Bella virou alvo de uma onda de misoginia e transfobia velada nas redes. A atriz — que interpreta Ellie, personagem lésbica e protagonista da adaptação — foi chamada de "feia", "estranha", "palhaça woke". As críticas deixaram de lado a atuação para focar no corpo, no rosto, na identidade. Ramsey chegou a desativar as redes sociais após a season finale.
Esse desconforto da audiência com identidades que fogem à norma visual dominante não é novo — mas se atualiza. Há uma demanda para que o corpo “convença” o olhar alheio. Como mostram também os casos de Aimee Lou Wood em White Lotus e Madeline Brewer em You.
E talvez a maior provocação de The Last of Us não esteja no apocalipse — mas na coragem de colocar no centro da narrativa alguém que não “parece” protagonista, mas é.
O boneco Labubu, criado por Kasing Lung e distribuído pela gigante chinesa Pop Mart, se tornou o maior fenômeno do consumo colecionável nos últimos dois anos. Em 2024, sua linha gerou mais de US$420 milhões em vendas — um crescimento de 726% em relação ao ano anterior (Pop Mart, 2024). A explicação? Um mix perfeito de fofura e gamificação: caixas-surpresa (blind boxes), raridades ocultas, escassez programada, drops limitados e uma estética cute ugly que viraliza nas redes sociais.
Mas a história ficou ainda mais interessante quando surgiu o Lafufu — a cópia tortinha e barata do Labubu, vendida por menos de R$40 em plataformas como Shopee e AliExpress – enquanto um Labubu original pode custar em torno de R$400 em revendas e marketplaces. Em vez de vergonha, o fake virou trend, piada interna e símbolo de repertório. A estética bugada foi abraçada pelas redes sociais: hoje, ter um Lafufu é sinal de estar dentro da conversa.
Essa revalorização do fake ganhou ainda mais tração após uma série de exposeds revelando que marcas de luxo europeias fabricam seus produtos nas mesmas fábricas chinesas onde surgem os falsificados. A diferença entre original e cópia, antes moralizada, agora parece mais narrativa do que material. “O que vale”, como analisou a Business Insider, “é participar da história que o objeto carrega — mesmo que seja uma versão paralela dela”.
Na lógica do Labubu e do Lafufu, o consumo vira jogo, e o status está menos no selo de procedência e mais no capital cultural. O fake deixou de ser imitação — virou remix, ironia, subversão. E, talvez, a maior ruptura recente na cultura do desejo.
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