Casa Mundo News #27
A normalização do risco, Protagonismo brasileiro no futebol, A nova estetica da guerra e a IA nos dando aula de como sentir.
Nada mais escapa da embalagem: do conflito ao desejo, tudo pode ser suavizado
Na cultura contemporânea, extremos vêm sendo suavizados, estetizados e distribuídos em larga escala — seja na aventura, na guerra, no esporte ou na própria experiência de pensar. Vivemos tempos em que o extraordinário se normaliza — e a linha entre o que sentimos, assistimos e compramos se torna cada vez mais difusa.
Mas será que estamos prontos para o impacto dessas transformações? Em tempos de replay infinito e decisões terceirizadas, pensar por conta própria — e com profundidade — talvez seja o último ato radical.
> A normalização do extremo na cultura do turismo radical
Experiências de risco embaladas como produto turístico: a cultura do turismo radical cresce mais rápido que sua estrutura.
Na última semana, três casos extremos em passeios turísticos revelam um fenômeno cultural em ascensão: a normalização de experiências extremas como se fossem simples passeios turísticos. A brasileira Juliana Marins, de 26 anos, se perdeu durante uma trilha noturna no Monte Rinjani, na Indonésia. Caiu de uma encosta vulcânica e passou dias aguardando socorro sem sucesso. No Brasil, oito pessoas morreram após um balão pegar fogo em pleno voo em Santa Catarina. No Rio de Janeiro, mais de 70 praticantes de stand-up paddle ficaram à deriva e precisaram ser resgatados em Copacabana após ventos inesperados.
Esportes de aventura e turismo em ambientes inóspitos não são novidade e acidentes sempre fizeram parte dessa realidade. O que mudou foi a forma como essas práticas migraram do nicho técnico para o centro da economia da experiência. Impulsionado por uma demanda global por experiências intensas, o mercado de turismo de aventura movimenta hoje US$ 476 bilhões anuais e cresce mais de 16% ao ano, segundo a IMARC Group. Mas o crescimento acelerado nem sempre vem acompanhado de estrutura, regulação e responsabilidade.
> Brasil brilha no novo Mundial de Clubes e desafia o eixo europeu do futebol
Na estreia da Copa do Mundo de Clubes da FIFA, vitórias brasileiras reacendem o protagonismo esportivo e cultural fora da Europa.
O desempenho dos clubes brasileiros no novo formato do Mundial de Clubes da FIFA marca mais do que uma sequência de vitórias: é uma afirmação simbólica do futebol brasileiro como força cultural e mercadológica. Flamengo, Palmeiras, Botafogo e Fluminense avançaram invictos às oitavas, vencendo gigantes europeus e arrastando 200 mil torcedores aos estádios nos EUA. A mídia global reagiu com surpresa — “Por que os clubes brasileiros estão se saindo tão bem no Mundial de Clubes?” (BBC) — e a FIFA já cogita o Brasil como sede em 2029.
Essa é a primeira edição oficial da nova Copa do Mundo de Clubes da FIFA, agora com 32 equipes, disputada como um torneio global de verdade, com fase de grupos, cruzamentos e o maior prêmio financeiro da história do futebol. O novo formato nasce para rivalizar com a Champions League — até aqui o centro simbólico e econômico do futebol mundial — e propõe uma descentralização estratégica: mais clubes, mais continentes representados, mais narrativas em jogo. Para o Brasil, é uma chance de voltar a ser protagonista não apenas em títulos, mas no imaginário do futebol global.
> Quando a guerra vira conteúdo: o front estendido às redes sociais
A nova estética da guerra: filmada por civis, publicada em tempo real e consumida em milhões de telas pelo mundo
O recente confronto entre Irã e Israel — com a entrada dos EUA e um cessar-fogo ainda em vigor — foi assistido como nunca antes: por múltiplos olhos, câmeras e ângulos. Vídeos captados por civis em bares, sacadas e ruas transformaram o ataque em conteúdo instantâneo. Em minutos, o TikTok se encheu de registros que cruzavam fronteiras geográficas e emocionais, revelando cenas que antes ficavam restritas ao sigilo militar ou à mídia tradicional. A guerra, agora, acontece diante de todos — e com replay.
Essa multiplicidade visual altera profundamente as regras do jogo. A narrativa oficial perde espaço para versões amadoras, íntimas e por vezes manipuladas. A superexposição gera empatia e choque, mas também alimenta desinformação, memes e uma cultura de guerra-espetáculo. O front se estende para o feed, onde a experiência do conflito é descentralizada, editada e compartilhada por milhões — um novo regime visual em que todo acontecimento é também imagem, performance e disputa por atenção.
> Quando até a IA sente mais do que a gente
O que perdemos quando a tecnologia começa a pensar por nós?
Nos últimos dias, viralizou uma pergunta feita ao ChatGPT: “O que você faria se fosse humano por um dia?”. A resposta, tocante, fala sobre sentir o sol na pele, ouvir risadas em um café, dançar na rua e escrever sobre cada emoção. Justamente o tipo de vivência sensível e concreta que muitos de nós têm deixado de lado — ironicamente, substituída por interações digitais e tarefas automatizadas. Ao imaginar a experiência humana, a IA nos lembra daquilo que estamos deixando de experimentar.
Ao mesmo tempo, um novo estudo do MIT revelou que o uso contínuo de ferramentas como o ChatGPT afeta negativamente nosso cérebro: os participantes que mais usaram IA apresentaram conectividade neural mais fraca, menor memória de curto prazo e textos menos criativos. O estudo fala em “dívida cognitiva” — um acúmulo de passividade mental que compromete nossa capacidade de pensar, criar e decidir.
No cruzamento entre esses dois fenômenos, emerge uma sociedade que terceiriza a cognição e se distancia da experiência. Do ponto de vista cultural e mercadológico, esse é o retrato de uma era que valoriza a eficiência, mas começa a se perguntar: qual é o custo de não pensar por conta própria?
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