Casa Mundo News #28
Novo rosto da Anitta, Cultura de aposta no Brasil, Futuro da indústria alimentícia e a Banda viral feita por IA
Como a cultura se transforma diante das tensões contemporâneas.
A realidade parece girar mais rápido do que conseguimos nomear. A cada semana, surgem novos sintomas, paradoxos e reconfigurações nas formas de viver, consumir, se relacionar e criar. Nesta edição da nossa newsletter, reunimos quatro pistas que, juntas, ajudam a decifrar esse presente em transição — onde algoritmos assinam hits virais, filtros reconfiguram identidades e até a comida entra na era da contradição.
Do sucesso de uma banda criada por inteligência artificial a febre dos sites de aposta, passando pela transformação dos ultraprocessados e a nova estética dos procedimentos faciais, o que está em jogo é mais do que tendência: são os modos como cultura, tecnologia e desejo se entrelaçam.
> Chá revelação de plástica da Anitta
A nova cara de Anitta e a era dos rostos mutáveis
A transformação facial de Anitta virou trending topic e debate nacional — mas o que realmente está em jogo vai além da cirurgia. Como mostrou O Globo, o episódio escancara a tensão entre liberdade estética e o culto a um ideal de beleza padronizado, alimentado por filtros, algoritmos e padrões internacionais. Já a Veja aponta para um movimento estratégico de "rebranding facial", em que a mudança de aparência faz parte da construção de imagem no showbiz global. E no UOL, Anitta ironiza as críticas: “Já era outra por dentro, agora sou por fora também”.
Mais do que polêmica, o “face reveal” da cantora inaugura um novo momento cultural. Como observa Camila Coutinho em um reels que viralizou, vivemos o ápice da fusão entre redes sociais e cirurgia plástica, em que o rosto deixa de ser um dado fixo e passa a ser tratado como avatar. Anitta, nesse sentido, não apenas se transformou — ela quebrou um tabu: o de assumir, sem culpa ou segredo, que a aparência pode (e talvez deva) ser moldada conforme a vontade. Se antes as celebridades escondiam os procedimentos, hoje elas os performam.
Esse gesto carrega contradições — entre o desejo de pertencimento e a pressão estética, entre liberdade e padronização. Mas também carrega potência. Ao tornar pública sua nova face, Anitta reposiciona o rosto como território de escolha. Num mundo onde cada imagem é um manifesto, talvez não se trate de julgar se alguém mudou, mas de reconhecer o direito — sobretudo das mulheres — de decidir como querem aparecer.
> Do exagero à moderação: o novo ponto de inflexão alimentar
Entre o Ozempic e a barra proteica: os novos dilemas da alimentação
Se a indústria alimentícia do século XX foi guiada pela conveniência e pelo excesso, a do século XXI parece lidar com o oposto: a moderação como tendência. Medicamentos como Ozempic, Wegovy e Monjaro — os chamados agonistas de GLP-1 — estão reprogramando a relação das pessoas com a comida, reduzindo o apetite, alterando o sistema de recompensa e, por tabela, impactando todo o sistema alimentar. Marcas como Danone já reformulam seus produtos com foco em porções menores e maior densidade nutricional. Há quem diga que essa pode ser a maior disrupção na indústria de alimentos desde a invenção dos ultraprocessados.
Mas enquanto o apetite diminui, os ultraprocessados não recuam: eles apenas mudam de roupa. Como mostra o @carvalhando, a nova geração de snacks, barras e bebidas “funcionais” aposta em proteína, colágeno e apelos de wellness — mas mantém conservantes, adoçantes e aditivos típicos da lógica industrial. É uma tentativa da indústria de continuar vendendo desejo, agora disfarçado de autocuidado. No fundo, vivemos uma disputa simbólica: de um lado, o controle farmacológico do corpo; do outro, a reinvenção estética do ultraprocessado.
> O vício virou interface: como as bets tomaram a internet brasileira
Plataformas de apostas já superam e-commerce, streaming e pornô como destino digital nº 2 do país.
Num intervalo de apenas três anos, os sites e apps de apostas online deixaram de ser um nicho para se tornarem parte central da vida digital brasileira. Segundo dados da SimilarWeb, o volume de acessos a plataformas como Blaze, Betano e Pixbet já supera gigantes do e-commerce, do entretenimento e até da pornografia. Em 2024, o Brasil ocupou o primeiro lugar no ranking global de tráfego para sites de apostas. E o mais surpreendente: esse salto aconteceu mesmo antes da regulamentação oficial do setor no país, que só entrou em vigor este ano.
O fenômeno escancara não só uma transformação nos hábitos digitais, mas também uma nova dinâmica de desejo, risco e recompensa. As bets misturam entretenimento, promessa de lucro rápido e um senso de controle ilusório – ingredientes potentes para um país em crise econômica crônica e com baixa educação financeira. Ao contrário do discurso de “esporte e diversão” promovido pelas marcas, a aposta online se consolida como um vício socialmente aceito e tecnologicamente impulsionado. Estamos diante de uma nova “big tech” do comportamento?
> A estética do genérico: Cultura da automatização na industria da música
Banda de rock criado inteiramente com IA ultrapassa 1 milhão de ouvintes no Spotify
Mais de um milhão de ouvintes mensais, dois álbuns lançados em menos de um mês e um hit no topo das paradas virais. Mas a banda The Velvet Sundown não existe. Criada inteiramente por inteligência artificial — som, letra, capa, identidade visual —, a “banda” foi revelada apenas depois do sucesso: uma provocação artística, segundo seus criadores, para explorar os limites da autoria e da autenticidade. O som mistura um indie rock genérico, com vocais suavizados e emocionalidade simulada, perfeito para embalar playlists de estudo ou relaxamento. Críticos descreveram a experiência como “sem alma”, mas funcional. A estética retrô e os nomes dos integrantes, todos fictícios, sustentaram por semanas a ilusão de uma banda real.
O episódio expõe um dilema que vai muito além da música. Plataformas como Spotify ainda não obrigam a rotulagem de conteúdo gerado por IA, o que escancara a assimetria entre artistas humanos e algoritmos otimizados para o viral. Não se trata apenas de plágio ou direitos autorais, mas de uma transformação na cadeia de valor da cultura: quando uma música artificial ocupa o mesmo espaço (ou mais) que criações humanas, o que acontece com a escuta, com o repertório, com o próprio significado de “ouvir um artista”? A crise da autoria, antes um tema filosófico, agora é operacional — e urgente.
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